domingo, 12 de dezembro de 2010

A Fugitiva e o Cão


Na maioria das vezes, quando chega uma pessoa para ser atendida nós sabemos que ela é moradora de rua. Foi numa sexta que chegou Maria, mendiga, bem negra, dentes muito limpos, olhos cansados e assustados. Ela tinha mais ou menos uns 35 anos aparentemente. Parecia muito inteligente e esperta. Ela começou contando que estava fugindo de dois homens que a estavam perseguindo, que inclusive chegaram a pegar uma senha de atendimento lá onde ela estava, mas que percebendo que havia segurança lá, eles tinham ido embora.

Maria disse que trabalhava a 6 anos em uma empresa de eletrodomésticos que no morro (não me lembro qual), e que morava perto da fábrica em um barraco. Ela disse que todos os seus documentos estavam em posse da empresa, perguntei-a o porquê disso, mas ela enrolou e não me disse. E, de acordo com ela, a empresa usou um produto em seus documentos que apagava tudo o que estava escrito e que eles queria fazer uma “queima de arquivo”, como ela disse. E como ela começou a reclamar pelos documentos e, provavelmente, por outros motivos que ela não relatou, começaram a perseguir ela.

Certo dia, as 20 horas, Maria disse que foi ter uma reunião no sindicato e que depois voltou para casa. E quando era de madrugada ficou sabendo (não relatou como também) que umas pessoas estavam vindo matá-la. Então, ela fugiu de sua casa e de acordo com ela foi igual em filme americano: ela saiu de casa e um carro com dois bandidos e uma moto com um cara armado estavam no começo da rua vindo matá-la e ela saiu correndo sem pegar nada, sendo que essa perseguição durou até de manhã e ela só conseguiu despistá-los entrando em um Supermercado na Tijuca.

Maria me procurou, pois queria seus documentos, mas Maria nasceu em Salvador. Então, até tentarmos achar o cartório em que ela foi registrada (não entendo porque ainda não há uma tecnologia computadorizada para isso) demoraria uns 50 dias ou mais. Então, Maria desesperada queria me contar todo o ocorrido de novo, pois ela achava que fazendo isso ela poderia fazer com que fosse mais rápido tudo isso, entretanto eu disse para ela que seria a única coisa que nós poderíamos fazer para ele. Então, eu e ela ficamos tristes. E eu pensei em alguma solução fora dali, perguntei se ela tinha algum parente em Salvador, e ela disse que tem uma irmã, mas a única coisa que sabe dela é onde ela trabalha, que é no IBAMA cuidando de baleias na praia do Forte em Salvador, então eu procurei o telefone de la e falei para ela ligar para a irmã dela e pedir o endereço do cartório que tudo ficaria mais fácil, então ela poderia voltar aqui segunda feira que daríamos um jeito.


Maria ficou feliz. Pegou sua bolsa e a abriu para pegar algo, foi quando eu vi um cachorrinho dentro da bolsa dela. Primeiro achei que era um bichinho de pelúcia, e depois a vi que era muito real e então achei que era um cachorrinho morto. Era um poodle tão lindinho. Ai ela me disse que ele não estava morto não e que ela tinha recuperado ele essa semana, pois durante a fuga acabou deixando ele dentro do barraco sozinho. Ela pediu para um amigo seu ir buscar no morro com medo que fosse morta. Eu achei que o cachorrinho estava doente, ela disse que ele era assim mesmo, e o incrível é que ele estava dentro de uma mochila só com o focinho para fora, tão quietinho. Eu fui correndo pegar um pão que tinha lá para ele, mas ele não quis comer. Maria parecia tão cuidadosa com ele e o chamava de meu bichinho e disse que tinha levado a um veterinário para ele dar uma olhada nele, mas o veterinário disse que não fazia isso (caridade). Maria deu um beijo no bichinho que fechou seus olhinhos e, assim, levantou e foi embora com o telefone do IBAMA na mão.

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