quinta-feira, 24 de junho de 2010

O Caso das Laranjas


Chegou aquele que nada queria, mas que também tudo queria. Ele tinha problemas no trabalho. No começo hesitou em contar sua história. Eu não sabia direito o que ele queria, mas sabia que não poderia resolver seu problema ali, pelo menos seu problema de fato. Começou dizendo sobre as laranjas. Trabalhava como segurança de frutas. Ele protegia a banana, protegia a melancia. Seria bonito se ele protegesse mesmo isso. Mas, na verdade, ele protegia uma empresa, empresa que nem carimbou direito sua carteira de trabalho que ele me mostrou sem eu pedir. Empresa que constava pagar 420 reais, sendo que o salário mínimo no Rio é de 510 reais. Ele me disse que a empresa pagava mais que aquilo na verdade, aquilo era só o que estava escrito. Interessante, né? Não tinha porte de segurança, era bastante humilde, dava para ver que ele tentava ao máximo falar bonito.
Então, o caso era o seguinte: outro suposto segurança de outra loja roubava as tais laranjas para chupar de café da manhã. Seria cômico, se não fosse ver a cara de desespero do segurança. Disse que não sabia mais o que fazer que já tinha falado com o gerente, com o dono da empresa e eles nada fariam. Então ele começou a querer falar algo, mas não saia. A primeira coisa que veio na minha cabeça é que ele tinha matado o cara. Mas não, ele disse se ele continuar assim terei que tomar outras medidas. Aí, parei de pensar que ele o matou e comecei a pensar que ele pensava em matar o cara. Mas não, ele disse que iria partir para a agressão física se o cara não parasse. Ele me contava tudo isso com esperança, nos seus olhos, de eu poder ajudá-lo.
Eu tentei. Disse para ele para tentar conversar com o cara. Mas ele disse que não tinha mais conversa. Falei para ele falar de novo com o dono da empresa. Ele disse que não faria mais isso. Então, sem mais argumentos disse para ele procurar a delegacia que ali a gente não poderia fazer nada por ele. E não poderia mesmo. Mas senti que ele estava um pouco satisfeito só de contar aquilo para mim.
É claro que isso não é uma grande história. Só achei interessante, pois eu não sei direito o que o segurança queria. Acho que ele queria só conversar como muitas outras pessoas que vão lá.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Defensora dos Incertos


“A onde o senhor reside?” eu perguntava. “Moro por aí, moro por aqui, moro aonde der para ficar, no canto, no sol, no frio, na chuva. Moro nas ruas da vida, moro na central”. Isso era comum de eu ouvir, não dessa maneira, mas todos queriam de uma forma ou de outra, dizer isso através de suas bocas desdentadas, com odor de álcool ou de quem não tomou café da manhã. Então, após escutar isso deveria preencher na ficha deles que residiam em local incerto.


Penso como me sentiria de morar em local incerto. Sempre quis ser mochileira, como muitos jovens, viajar o mundo, morar em vários lugares, conhecer tudo no mundo. Seria isso incerto? Talvez na minha mente antes de conhecer a miséria. Não, Local incerto na central quer dizer rua mesmo. Essa realidade me assustou. Pessoas sem documentos, pessoas que não são pessoas ainda ou não são mais pessoas no nosso Estado. Nosso Estado protetor. Nosso Estado protetor dele mesmo, sobretudo da continuidade do seu sistema.


Um dia me indaguei sobre por que não escrever o que ouço, o que eu vejo, por que não tentar encontrar uma válvula de escape para meus pensamentos se consolidarem? Primeiramente, não queria mostrar nada a ninguém, pois me acho meio inocente ainda, inexperiente, muito criança para poder indagar sobre o mundo e alguém querer me ouvir, ou poder de certo modo ensinar algo para alguém, pois é, para isso que deviam servir os livros. Como um assistido um dia me disse: “Na favela, eles lá colocam meninos de 20 anos para ensinar nós aqui de 50 anos e acham que aqueles com metade da nossa idade podem nós ensinar algo”. Acho que esse comentário tem certa veracidade por causa da falta de experiência de vida de um garoto de 20 anos, mas de outro acho que qualquer um pode aprender com qualquer um, como meu pai deve aprender comigo todos os dias e vice-versa.


Então, certo dia eu comecei a relatar o que pensava o dia todo, ou pelo menos tentar. Dias de dor de cabeça e inquietação. Conhecendo um outro mundo, aquele mundo que uma jovem de classe média alta não conheceria se não quisesse, se não tivesse vontade de saber, sem fome de realidade. Comecei à tomar dipirona no começo para aguentar a dor de cabeça. Tantos problemas que pensava nunca poderia saber que existiam. Tantos problemas que não sei direito por onde começar.


Acho melhor não começar pelos problemas, mas sim pelo que as pessoas pensavam que eu iria fazer por elas, na verdade, o que eu penso que elas pensavam. Muitas viam em mim uma luz, alguém que iria resolver o que eles queriam. Contavam tudo, coisas ilegais, coisas macabras, hediondas, coisas que só tinha ouvido falar em filme. Na verdade, eles não precisavam me contar algumas histórias, só precisariam ir direto ao ponto do que queriam, mas não, eles faziam questão de dizer tudo nos mínimos detalhes, sem vergonha, sem medo, com humildade, carinhosos ou grossos, e as vezes até sem pudor, tudo o que eu interessada ouvia, apesar de ficar com um olho lá fora vendo a fila de pessoas esperando atendimento só aumentar. Uns choravam, outros gritavam, uns eram mudos e outros não sabiam falar, isto é, se expressar direito.